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Autor e sua obra

Em amena cavaqueira, um colega de longa data confidenciava-me não nutrir especial vontade em ler Saramago. Não que atribuísse a sua recusa aos famigerados feitios de escrita do nobel português ou a um qualquer rascunho crítico, menos abonatório dos seus livros, que lhe tivesse chegado às mãos.
A questão era bem mais simples: não suportava as suas opções políticas. Ponto.
E isso incomodava-o de tal forma que, por si só, constituia factor impeditivo ou inibidor suficiente.
Confesso que, à data, não me saiu resposta. A questão era pertinente e suponho que existam, hoje, inúmeros virgens de palavras de Gunter Grass que pensem o mesmo, depois das notícias que vieram a público sobre o passado do nobel alemão, no que concerne às suas ligações às temidas SS do III Reich.
Certo é que esta temática consome-me desde então. Acredito piamente que uma obra, seja ela composta de palavras, sons ou sarrabiscos, só se apreende, na sua plenitude, depois de percebermos o respectivo criador. Porque toda e qualquer obra é, necessariamente, uma extensão do "eu" do Autor. Ora, se não simpatizarmos com essa esfera pessoal, como apreciar a criação?
Concretizando o pensamento do meu caro amigo: se me dissessem que Tom Waits tem, como desporto favorito, espancar mulheres, participar em "manifes" pró-escravatura ou comer, diariamente, farinha de pau, será que eu teria vontade de continuar a saltar ao som de "Telephone Call From Istambul"?

E na pintura os comportamentos sexuais de Gaugin, de Picasso...
na arquitectura a cumplicidade com os regimes de Terragni...
e tantos outros...
Será que, mesmo conscientes da personalidade do autor, queremos mesmo assim esquecer a obra?

Pois, mas a questão colocada no post pode ser vista de dois ângulos diferentes. Este considerando que aqui deixaste refere-se, penso eu, as casos em que primeiro descobres a obra e depois conheces o Autor. Aí concordo contigo, seria dificil esquecer a obra, mesmo conscientes da personalidade do Autor. Diferente é quando chegamos primeiro ao criador e o desânimo é grande. Será que, depois desta desilusão, ainda teremos vontade de lhe descobrir as façanhas?

Eu também não nutro um gosto especial pelas opções políticas de Saramago, mas não é por isso que deixo de ler os seus livros e de ter mesmo prazer ao ler alguns deles. Pegando na ideia da necessidade de uma leitura global da vida e da obra, parece-me que a recusa radical da leitura da obra defrauda o propósito inicial. Precisamente porque o homem não é apenas aquilo que faz e aquilo que diz, mas também aquilo que escreve. Aliás, tal recusa revela a existência de um pré-conceito acerca do autor e a falta de vontade de o conhecer melhor. Talvez seja o receio de mudar de opinião que assusta. Ou então a preguiça de pensar e a tentação da crítica (infundamentada) fácil... típicas da chamada «conversa de café».

Rocky, estamos em sintonia. Sim, também eu sou grande fã da obra literária de Saramago. Mas creio que nao seja tão liquido assim. Existem características que não chateiam, ou pelo menos, não as consideramos suficientes para nos ofuscarem o gosto pela obra. Mas nem sempre é assim.

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